20110323

uma cisterna com papoulas para Elizabeth












e aqui, meu predileto, antropofagias, tabus, delírios desejantes...
e aqui, meu segundo predileto, arquetípico astrológico, ela lua ele plutão, eixo touro-escorpião...
e aqui, outro imenso predileto, quem terá medo dela?...
a uma das maiores atrizes possíveis, meu despenhadeiro de flores a todos os seus gestos


20110318

antropofagia



para Renata Huber, após


a visita crua dos fantasmas



vou até a nascente arrancar do fundo

uma flor d’água

os rizomas comestíveis se esfarelam

toco a massa de segredos onde vive

inescrutável

a demora da vida

arrancada soergo até tua face

e quando ela se derrama e morre

nas raízes

dos cabelos, não demoro

novamente ir à água

novamente trazer-te isto que dura

tão pouco


meu coração não sabe

sabe apenas uma aflição real

o que vê não tem nome

o que faz não tem razão

vive de voltar ao recinto

escandalosamente claro

por amor


pode não ser rito

ou mesmo febre

o que apenas sabe

é que espera

de tua boca

aquela palavra

sem retoques

sem medo

sem mágoa


engolida a flor d’água

refeita a nascente dentro

de tua calma

20110312

100 anos antes da CONSTRUÇÃO de Chico Buarque, o DESASTRE de Cesário Verde

DESASTRE

Ele ia numa maca, em ânsias, contrafeito,
Soltando fundos ais e trêmulos queixumes;
Caíra dum andaime e dera com o peito,
Pesada e secamente, em cima duns tapumes.

A brisa que balouça as árvores das praças,
Como uma mãe erguia ao leito os cortinados,
E dentro eu divisei o ungido das desgraças,
Trazendo em sangue negro os membros ensopados.

Um preto, que sustinha o peso dum varal,
Chorava ao murmurar-lhe: "Homem não desfaleça!"
E um lenço esfarrapado em volta da cabeça,
Talvez lhe aumentasse a febre cerebral.

Flanavam pelo Aterro os dândis e as cocottes
Corriam char-à-bancs cheios de passageiros
E ouviam-se canções e estalos de chicotes,
Junto à maré, no Tejo, e as pragas dos cocheiros.

Viam-se os quarteirões da Baixa: um bom poeta,
A rir e a conversar numa cervejaria,
Gritava para alguns: "Que cena tão faceta!
Reparem! Que episódio!" Ele já não gemia.

Findara honradamente. As lutas, afinal,
Deixavam repousar essa criança escrava,
E a gente da província, atônita, exclamava:
"Que providências! Deus! Lá vai para o hospital!"

Por onde o morto passa há grupos, murmurinhos;
Mornas essências vêm duma perfumaria,
E cheira a peixe frito um armazém de vinhos,
Numa travessa escura em que não entra o dia!

Um fidalgote brada e duas prostitutas
"Que espantos! Um rapaz servente de pedreiro!"
Bisonhos, devagar, passeiam uns recrutas
E conta-se o que foi na loja dum barbeiro.

Era enjeitado, o pobre. E, para não morrer,
De bagas de suor tinha uma vida cheia;
Levava a um quarto andar cochos de cal e areia,
Não conhecera os pais, nem aprendera a ler.

Depois da sesta, um pouco estonteado e fraco
Sentira a exalação da tarde abafadiça;
Quebravam-lhe o corpinho o fumo do tabaco
E o fato remendado e sujo da calica.

Gastara o seu salário - oito vinténs ou menos -,
Ao longe o mar, que abismo! e o sol, que labareda!
"Os vultos, lá em baixo, oh! como são pequenos!"
E estremeceu, rolou nas atrações da queda.

O mísero a doença, as privações cruéis
Soubera repelir - ataques desumanos!
Chamavam-lhe garoto! E apenas com seis anos
Andara a apregoar diários de dez-réis.

Anoitecia então. O féretro sinistro
Cruzou com um coupé seguido dum correio,
E um democrata disse: "Aonde irás, ministro!
Comprar um eleitor? Adormecer num seio"?

E eu tive uma suspeita. Aquele cavalheiro,
- Conservador, que esmaga o povo com impostos -,
Mandava arremessar - que gozo! estar solteiro! -
Os filhos naturais à roda dos expostos...

Mas não, não pode ser... Deite-se um grande véu...
De resto, a dignidade e a corrupção... que sonhos!
Todos os figurões cortejam-no risonhos
E um padre que ali vai tirou-lhe o solidéu.

E o desgraçado? Ah! Ah! Foi para a vala imensa,
Na tumba, e sem o adeus dos rudes camaradas:
Isto porque o patrão negou-lhes a licença,
O inverno estava à porta e as obras atrasadas.

E antes, ao soletrar a narração do fato,
Vinda numa local hipócrita e ligeira,
Berrara ao empreiteiro, um tanto estupefato:
"Morreu!? Pois não caísse! Alguma bebedeira!"

30 de outubro de 1875.

100 anos antes da ‘Construção’ de Chico Buarque, já a mesma banalidade trágica, já a mesma miséria nos divertimentos da morte alheia, já o mesmo descaso insolente nas trocas entediadas da cidade... e o barulho e os efeitos visuais urgindo para que tudo siga em seu movimento sem luto e sem afeto, nas encenações políticas do cotidiano... (...e um suspiro assaz, o poema, já descrente disso tudo, mas fazendo-se ainda durar, insistente, na contramão, a atrapalhar o trânsito)______________ mais um belo poema de Cesário Verde!

20110311

canção intercalada no Amadis, "Leonoreta..."





Senhor genta,
min tormenta
voss' amor en guisa tal
que tormenta
que eu senta
outra non m' é ben nen mal,
mas a vossa m' é mortal.

Leonoreta,
fin roseta,
bela sobre toda fror:
fin roseta,
non me meta
en tal coita voss' amor!

Des que vejo
non desejo
outra senhor se vos non,
e desejo
tan sobejo
mataria un leon,
senhor do meu coraçon!

Leonoreta,
fin roseta,
bela sobre toda fror:
fin roseta,
non me meta
en tal coita voss' amor!

Mia ventura
e loucura
me meteu de vos amar;
é loucura
que me dura
que me non poss' eu quitar.
ai fremosura sen par!

Leonoreta,
fin roseta,
bela sobre toda fror:
fin roseta,
non me meta
en tal coita voss' amor




canção do trovador João Lobeira, no Amadis, conservada no Cancioneiro Colocci-Brancuti ________ para os dias em que se acorda ritmado em trovas, pastorelas, vilancetes e cantigas...

20110309

ÀS QUATRO



está aqui já, no círculo, o blog ÀS QUATRO, em que ana rüsche, maiara gouveia, renata huber e eu entramos girando, a trazer ao baile diversas indagações e perplexidades, além de maravilhamentos e desilusões que rondam conosco no tema imenso do FEMININO.


começamos com René Girard, desdobrando-o em Eurípedes, Carmen, Picasso, etc - na alçada de permear o assunto da VIOLÊNCIA E REPRESENTAÇÕES DO FEMININO.


seja bem-vinda, bem-vindo, vamos abrir a roda, levantar o pó de mofo que os tapetes e as saias deixam, muitas vezes, ressentir e estagnar!