20130614

convite pessoano





dentro da pele um amontoado de carne? esta coisa animal?
e o pensamento, imagem abstrata filtrada do sangue? sangue sem sangue de um outro desejo?
entre o que ajo e calo,  é real o pensamento? são sensações o pensamento?
como cheiro, escuto, pego, extravio do corpo, suo, olho, assim também o pensamento?
é o pensamento que move um corpo?
ou é o corpo que move um pensamento?
essas questões, essas dúvidas, que atalhos abrem?
e a escrita, coagula o quê? mais que a mão que escreve o real do agora escrevendo?
e tudo tornado imagem o que devolve? uma voz que atravessada já não é mais voz, é já silêncio?
se posso dizer 'eu' e você também pode dizer 'eu', 'eu' é o quê? 'eu' é de quem?

aqui, no limiar, do corpo por dentro pulsando orgânico, de uma fábrica louca
de encadeadas imagens projetadas para o mundo, um somatório vesgo de real-virtualidade?

as coisas se desdobram, se multiplicam, e o nexo de tudo é a andança liberta das coerências
fora das coerções que um sistema pode apelidar de razão, 'sentido', prumo -

o jardim é de um imenso comércio, e a origem das trocas extravasa a compreensão da matéria,
uma coisa passa de mão em mão e em cada mão é já coisa diferente que segue diferente
para outra mão; a síntese é improvável ou pertence a outro domínio, talvez o chamemos de 'mistério',
talvez 'vida', talvez 'deus', coisas improváveis que, só palavras, trocam de mão em mão, mudando de significado e forma, mudando mudando

chego a estar nalgum lugar da vida, em qualquer hora? chego a ser mais que viagem?
quando tudo é passagem, projeção, memória, e um corpo muito imagem
abstrato até demais, preenchido de pensamento, invisível por dentro, só feito de pele
forma, mudança, aparência, sonhos muito rápidos ou obsessões lentíssimas, o que é que
me identifica? a ideia que tenho de mim? a ideia que tens de mim? as ideias multigerminadas?

que rosto dar a ideia desta manhã?
que tom de voz dar àquele que me diz bom dia todos os dias
embora eu nunca lhe saiba o nome ou o rosto

e esta palavra: plasma ou denuncia? cria ou engana? ou é só palavra-casa
de um ignoto pensar alheio a tudo? palavra-nada?

quando é que alguma coisa, no pensamento, pisa a terra
e sabe a ser mais que evasão, voo, quimera,
mais que espontâneo riso descompromissado e liso
escorregando por tudo aquilo mesmo que se havia dito terra?

abrir uma dúvida é alimentar abismos
único modo de ser asa
quando o mundo nos encaminha
a sermos crias de um juízo

e pensar é sim um modo de sentir
e não é fingir desconhecer-se
pois que nada pára onde respira
nada define o que é ser nada



                                                                    nesta 3af, dia 18/06, 19h45, no encontro de ASTROLOGIA E LITERATURA na MUNDO MUNDANO leremos o conto de F Pessoa, "A hora do Diabo" e o abriremos com palavras do signo de GEMEOS.                                                                 


mais informações e inscrições: contato@mundomundano.com.br



20130613

pessoana | imagens e documentários e etc














ODE MARÍTIMA _ lido por João Grosso




de álvaro de campos _ lisboa revisitada



TABACARIA


20130612

girava e descia (e chorava) sobre um fio que era Japão vermelho





 eu estava no meio do caminho
lendo o ciclo do amante substituível
quando já descia no Japão
num avião de listras vermelhas
como o sangue na calcinha do
sono na noite passada

o avião descia girando
muito lento sem nenhum
medo mas descia girando
onde abaixo era Japão
e ouvia-se crianças nalgum
intervalo de festas juninas

descia como uma hélice
um ralo quando então num
corredor com quem eu
desconhecia, alguém com
livro nas mãos me vinha
e lia um poema da Caru

Caru abraçava Renan Caru chorava
enquanto ouvia seu próprio poema
lido era engraçado Caru chorar demais
assim tanto por um poema que
parecia chorar (de leve) por Camões
ou alguma utopia de esquina paulista
coisa que talvez taquicardia conduzida
pelas páginas do Ricardo nem estoico
nem só erótico que eu pensava
deve ser canceriano ou de balança

Caru chorava muito era engraçado
e não era, nada engraçado
ao que alguém a Renan dizia
consola tua Caru quando começávamos
pela segunda vez a ler em voz alta
o tal poema comovente

eu ali mesmo começava a anotar
num caderninho com javalis e maçãs
desenhados na capa, (escrevia
pois ficava sem saber o que dizer
que fosse certo de interpelação
à Caru que chorava desconsolada)
(escrevia para fugir do gesto) (como você
dobra o passo e entra numa loja
desnecessaria porque antevê
alguém difícil com quem cruzar
o dia) (ou então a hora difícil dos velórios)
(e não é uma fuga covarde se você
quer saber) (é uma fuga tímida
comovente até demais uma fuga
como uma caneta enfiada na garganta
após um acidente que te sufocasse
até a morte não fosse a escrita
objetiva antes de sida, ainda caneta
disponível como faca a te trazer
descompostura espontânea abraço tenebroso
sem medo que errasse no dizer
como esta faca rasgar então ao oxigênio
eu escrevia) “é a segunda vez
que vejo Caru chorar ao ouvir
um poema seu” mas quando na mão
pôs-se “seu” era de outro o poema
por que chorava e Renan abraçando-lhe
entendia perfeitamente como cuidar
desse choro ainda que
psicanaliticamente vão dizer seja em
mim que algo chora  
sempre que um avião vem descendo
em câmera obscenamente lenta
e o poema em que se chora chora
muito mais que uma metáfora
uma parte exata e sem saída
desse cochilo com morgana ao colo
colégio público na quina
domeneck no exatamente antes
e dia dos namorados
programado para uma noite
que veio infelizmente
com um pouco de gripe